Akira ~Um Background Intrigante~

“Para o cardápio de hoje,
vós trago uma dose de saquê,
acompanhado de um delicioso
barco de sushi”

Sem títuloAkira é um mangá escrito e desenhado pelo renomado artista japonês, Otomo Katsuhiro. Akira lançou em 1982 (e terminou, por volta, nos anos 90) e foi publicado pela revista Young Magazine. A obra também foi publicada nos EUA em quatro versões –a primeira pela Marvel e impressa pela Epic Comics em 1988; em 1995, uma versão colorida da mesma versão da Marvel; uma terceira publicação pela Dark House Comics em 2000; uma quarta publicação pela Kodansha USA –uma versão pela Reino Unido pela Titan Books e uma edição da editora Globo no Brasil. Além dessas várias edições, Akira venceu uma série de prêmios, dentre eles, a Kodansha Manga Award, pela categoria de melhor obra em 1984, e a Harvey Award, como melhor edição estrangeira em 1993. O mangá também consta com uma animação em forma de filme que foi lançada no ano de 1988 e um filme live-action em 2002.

A história se passa em um universo que foi devastado pela 3º Guerra Mundial. Após três décadas, das ruínas da antiga cidade de Tokyo, surge Neo-Tokyo, o grande cenário onde a história se desenrola. Em meio a isso, a obra nos apresenta Kaneda Shoutarou, um adolescente e líder de uma gangue de motoqueiros que acaba “caindo de paraquedas” em uma série de situações que coloca a sua vida em risco, após o acidente que envolve seu amigo, Shima Tetsuo, e conhecer uma garota chamada Kei, membro de uma facção terrorista. A partir disso, Akira apresenta uma série de temas interessantes, desde o impacto da 2º Guerra Mundial no Japão, e, até mesmo, a influência da religião em uma sociedade.

Bem… O mangá de Akira, no geral (história e arte, no caso), é uma obra muito boa. A arte do Otomo nessa produção foi algo realmente muito bem desenhado. Os dois pontos fortes nela são o character design dos personagens e o detalhismo nos cenários.

1O mangaka ao desenhar os personagens ele representou alguns
caracteres japoneses como a cor do cabelo (escuro, o que faz contraste com os personagens estrangeiros na história e os identifica como japoneses), a estatura (personagens japoneses não muito altos, mesmo tendo conhecimento
de suas idades) e, até mesmo, o nariz “batata”. 2Isso ficou bacana no mangá, pois, de certa forma, contribuiu com o background de Akira. Podemos afirmar que a arte que do Otomo usa em Akira tem um pouco de carga realística.

Além dos personagens serem bem desenhados, os cenários –que são o principal atrativo visual de Akira –são muito bem desenhados, principalmente quando se trata de cidades. Chega até ser engraçado. O Otomo cria cenários cheio de detalhes para, basicamente, destruí-los depois. Até da uma pena (risos). Fazendo um gancho com a destruição dos cenários, outra coisa que o Otomo consegue fazer bem é a sucessão de quadros. A história consegue fluir livremente, mesmo com um número considerável de diálogos longos.  Ele “gasta” páginas duplas simplesmente para mostrar as cenas de destruição. Isso foi algo que contribuiu muito pro visual de Akira. Detalhe é o que não falta nesse mangá!

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Além de a arte ser maravilhosa, a história consegue ser boa, mesmo com alguns “buracos” no roteiro. A história de Akira apresenta temas bem interessantes que estão ligados diretamente com o seu background, dentre eles, política, religião e evolução das espécies ligada à espiritualidade. Todos esses temas foram preparados durante a primeira parte do mangá (antes do “despertar” de Akira). Ou seja, o grande valor do background nos é mostrado a partir da segunda parte, o mundo pós-apocalíptico. Isso ficou bem dividido até em questão de volumes. Os três primeiros seriam a apresentação do background e os outros três o seu desenvolvimento.  Vamos apresenta-los agora!

63O tema sobre a política é o assunto que, provavelmente, faz mais linkagens na obra. Esse assunto consegue dialogar tanto com a História Geral quanto com um pouco da história japonesa. Para entendermos melhor isso temos que nos “tele transportar” para a época da Guerra Fria. A 3º Guerra Mundial ocorrida em Akira é uma alusão ao pós-segunda guerra mundial no Japão. Essa referência consegue ser mais clara que a água. A obra consegue nos mostrar alguns dos efeitos que a derrota japonesa na 2º G.M. gerou. Podemos citar o boom do uso de drogas pelos jovens (representado por Kaneda e sua gangue e, principalmente, por Tetsuo e as outras crianças) nos anos 60 e o aumento da repulsa dos japoneses pelo Ocidente. 26A repulsa do Japão quanto ao Ocidente (com foque, nos EUA) ficou bem perceptível com a formação dos dois “Novos Impérios de Neo-Tóquio” que representam o sentimento negativo dos japoneses pela interversão norte-americana. Além disso, essa parte do background faz referência às duas bombas (Hiroshima e Nagazaki) e a dificuldade do reerguimento do Japão. Também podemos incluir o aumento da violência (formação de gangues e suas constantes brigas) e, já fazendo um salto um pouco maior, o início do “estilo” Sukeban e Yankee.

4.jpgAdemais, o tema sobre a religião é bem construído na segunda parte de Akira. Nela, percebemos a influência da religião nas pessoas. De um lado, temos a exaltação da figura do Akira e do outro, os seguidores da Lady Miyako. A influência desses dois cultos religiosos em Akira nos mostra como a religião atua em situações em que a população se encontra em desespero, dando uma esperança para elas. A partir disso, Otomo nos mostra o papel da manipulação (o personagem que incentiva os ataques conte lady Miyako) e o fanatismo religioso que acaba gerando os conflitos.

Esses dois temas (política e religião) foram os melhores trabalhados no enredo, sem dúvida alguma!

23O terceiro tema apresentado, a evolução das espécies, é… um tanto quanto confuso,
principalmente  a parte espiritual. No último volume, se não me engano, o diálogo entre Akira e Miyako na mente de Tetsuo apresenta a interferência do homem na vida e os efeitos colaterais disso. Isso até faz sentido, pois temos em Akira todos aqueles experimentos que geraram inúmeras mortes de crianças simplesmente para usá-las como armas ou (a ideia desse tema) acelerar a evolução humana. Outra coisa que ajuda a comprovar isso são os quadros em que aparece a espiral do DNA e o sentido 5’-3’ (sentido da vida). Mas o que isso quer dizer? Podemos ter duas respostas: o jeito como o homem utiliza a ciência e como isso afeta (ou pode vir a afetar) a sociedade; uma alusão dos danos provocados pela radioatividade das duas bombas no fim da 2ºG.M. Até esse ponto encontramos uma “base sólida” para essa parte do background, mas já a parte da espiritualidade…

57A parte da espiritualidade é a parte confusa do mangá que você acaba não entendendo direito. A história termina e você se pergunta: “Ta… o que foi isso que eu li?” Sim, Akira termina e você fica com essa dúvida na cabeça sobre o que e para que serve aquele plano espiritual. E isso estava presente desde o início do mangá com aquele “espírito” do Kaneda aparecendo. Particularmente, fiquei pensando sobre isso para ver se chegava a alguma conclusão, mas me frutei. Cheguei a pensar em duas teorias: a influência de deus na criação do universo ou na evolução da espécie humana (baseado nos diálogos sobre os estudos dos personagens cientistas sobre o poder de Akira e Tetsuo, os quadros com as referências ao DNA e todos aqueles quadros que pareciam indicar a “entrada” para “algo”); Akira seria uma metáfora para deus (baseado simplesmente no suposto imenso poder de Akira e a sua imagem idolatrada). No entanto, mesmo o Otomo deixando essa reflexão no fim da obra é bem provável que isso seja um buraco. E é neles que irei falar agora.

Akira mesmo possuindo uma arte sensacional e um rico background, ele peca na principal coisa, o roteiro. Há algumas coisas que não são bem explicadas. Primeiramente, o motivo da 3º G.M. Mesmo a explicação para ela ter ocorrido seja o motivo da explicação do surgimento de Akira, não fica muito claro o motivo de isso ter envolvido grande parte dos países. O segundo buraco na obra foram as crianças. Não foi mostrado sequer um flashback do passado delas só para entendermos melhor a situação delas. Isso acabou ficando só nas falas da Miyako e do coronel. Outro problema (e principal) são os personagens.

Os objetivos dos personagens não ficam claros. Por exemplo, não sabemos o motivo de a Kei estar contra o governo ou o motivo de ela ter sido escolhida pelas crianças para lutar contra o Tetsuo.  Outro bom exemplo é o Tetsuo. Não teve muito sentido em ele ter se voltado contra Kaneda e seus amigos do nada. E o fato de as ondas cerebrais dele serem parecidas com as de Akira para provocar uma ressonância ficou um tanto quanto whatever. Isso foi um mero recurso para forçar algum desenvolvimento nele. No entanto, o personagem que se destaca no mangá é, sem dúvidas, o protagonista… o Kaneda. Ele é o personagem mais carismático em todo Akira. O fato de ele ter “caído de paraquedas” na história, provavelmente, foi algo que contribui para os eu carisma. Enquanto os outros personagens têm preocupações sem base alguma sérias, o Kaneda, basicamente, ele só quer dar o troco no Tetsuo por ter matado o Yamagata e ficar com Kei. Isso é algo que chega a ser legal e… engraçado. O contraste de objetivos chega a ser cômico, por incrível que apareça (risos).

Bem… o mangá de Akira, mesmo com os seus problemas, não deixou de fazer um enorme sucesso, tanto no Japão quanto no Ocidente. No Japão, por exemplo, o próprio autor de Naruto, Masashi Kishimoto, alegou que Akira foi base para a criação de seu mangá de enorme sucesso. Já no Ocidente, vários artistas chegaram a homenagear ou dizer que gostaram do mangá, como, Sean Lennon (alegou ser um grande fã da obra), Lupe Fiasco (um de seus álbuns foi baseado em Tetsuo) e, até mesmo, Kanye West (no music vídeo de Stronger). Akira entrou nos meus mangás favoritos que já li (mesmo sendo poucos). Uma história até boa, com um background rico e uma arte fantástica. Recomendo para quem está lendo esse texto, ler Akira. Até porque, é um clássico dos mangás.

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